sábado, 4 de setembro de 2010

● Turandot (1988)



(Eva Marton, digníssima no papel da princesa Turandot. Nesta cena, do segundo ato, a princesa revela ao estrangeiro do porquê de tanto ódio. No final dessa matéria você poderá ver a letra no idioma original e a tradução)


NOTA:

Turandot foi a última obra do compositor Giacomo Puccini, que não terminou de finalizá-la devido à sua morte.

Essa obra foi finalizada mais tarde por Franco Alfano. Mas o final não agrada a todos... nem a mim.

Para quem não viu a ópera ainda, pule para o parágrafo seguinte, pois este contém spoilers: o final, tão inaceitável pela grande parte dos expectadores de uma maneira geral, se dá nas últimas cenas, quando a princesa vai revelar o nome do príncipe (o nome dele é amor). Puccini que em outras obras manteve àquele paralelismo de que o bom morre bom e o mau morre mau, aqui não condisse. Alfano realmente pegou um grande abacaxi... a melodia já havia sido composta e encaixar um final naquele curto espaço de tempo foi realmente desafiante. Turandot, a fria, a impiedosa, que resistira 90% da peça em não se casar, cedeu-se muito ligeiro ao final belo e feliz. A chave disso tudo deveria ser a morte de Liù, que morreu em nome do amor. Mas em nenhuma outra gravação que ouvi, convenci-me que Turandot mudara de opinião a partir da morte da escrava. E no rápido diálogo que Turandot e Calaf tiveram, não foi o suficiente para mudar a opinião de uma pessoa que carregara tanto ódio por anos. Em 2001, um compositor chamado Berio compôs um final diferente. Mas ainda não tive oportunidade de conhecê-lo.

Se você NUNCA ouviu uma ópera completa (ou mal teve paciência de ver um pedacinho sequer), comece por essa. Procure saber da história. Depois ouça as gravações disponíveis pela web na voz de grandes tenores/sopranos.

Se não domina outro idioma além do português, será necessário fazer a leitura do Libretto (“roteiro” com os diálogos escritos) em português para ver a ópera depois (Clique aqui para ler). Será melhor se você dominar ao menos o inglês –ou outra língua que possua nas legendas disponíveis– pra que se possa assistir a ópera e ler seus diálogos simultaneamente, como num filme legendado.


ENREDO:

Riquíssima em detalhes, a história é trabalhada em diversos planos: o começo enigmático, em que o Mandarim da região local onde se passa a história anuncia que "para se casar com a filha do Imperador, é necessário acertar os três enigmas por ela proposto; caso não consiga desvendá-los, o candidato deverá dar-lhe em troca sua cabeça".

Logo depois surge em cena um homem desconhecido e sua escrava; pouco após, seu filho.


(O estrangeiro, seu pai e a escrava, no reencontro. Início do primeiro ato)

Enquanto no fundo do cenário a correria toma de conta da população local, pois o príncipe da Pérsia havia tentado os três enigmas e errara em um deles e todos esperavam a execução de sua cabeça, à frente havia um diálogo entre pai-filho-escrava. Observe que a população local, apesar de sofrida sob o regimento da tirania de Turandot, também apresenta um vínculo sádico à execuções, pois todos aguardam ansiosos a chegada da lua para ver a cabeça do príncipe da Pérsia exposta ("Perchè tarda la luna?"). Grande parte das conversas é feita por entrelinhas; uma delas é chave principal para entendimento mais na frente da relação do estrangeiro com Turandot. O resto já é teoricamente previsível, mas não menos brilhante. O protagonista, desconhecido, aceita participar do enigma após ver Turandot na execução do Príncipe da Pérsia. O desenrolar da história é muito intenso.




(Finalização do terceiro ato, onde todos aguardam a decisão final de Turandot)

A versão da ópera que você observa nessas screeners (cenas) é com Plácido Domingo, Eva Marton e Leona Ritchell no elenco. Regida por James Levine, dirigida por Franco Zefirelli e realizado no Metropolitan Opera (NY), em 1988.




(Início do Segundo Ato: Ping, Pang e Pong, no discurso sobre a história dos príncipes que já perderam a vida tentando conquistar a princesa Turandot)


(Após o estrangeiro anunciar a todos da cidade de Pequim que não vai revelar o seu segredo, com a belíssima ária "Nessum Dorma", Ping, Pang e Pong ofertam ouro e mulheres belas pra que ele desista da ideia de ficar com Turandot)

("Tu che di gel sei cinta!". Momento em que Liù revela a todos que ama o príncipe há muito tempo... e questiona não entender do porquê de tanta frieza da princesa que não se rende ao amor dele)

("Ché è mai de me". O príncipe, após ficar revoltado com que Turandot acabara de provocar à Liù, acaba revelando seu segredo, deixando a decisão final de se casar por conta da princesa)


Finalizo esta resenha com uma das árias mais belas: "In questa reggia", onde Turandot nos explica do porquê de tanta amargura em seu peito (no segundo ato).


TurandotTurandot
In questa reggia, or son mill'anni e mille,Neste reino, há milhares e milhares de anos
un grido disperato risonò.um grito desesperado ressoou.
E quel grido, traverso stirpe e stirpeE aquele grito atravessou gerações e gerações
qui nell'anima mia si rifugiò!e refugiou-se aqui em minh'alma!
Principessa Lou-Ling,A Princessa Lou-Ling,
ava dolce e serena che regnaviantepassada doce e serena que reinava
nel tuo cupo silenzio in gioia pura,no seu profundo silêncio em pura alegria,
e sfidasti inflessibile e sicurae desfiando inflexível e segura
l'aspro dominio,o escambroso domínio
oggi rivivi in me!hoje revive em mim!
La FollaMultidão
Fu quando il Re dei TartariFoi quando o Rei dos Tártaros
le sette sue bandiere dispiegò.as suas sete bandeiras desfraldou.
TurandotTurandot
Pure nel tempo che ciascun ricorda,No entanto, no tempo que cada um recorda
fu sgomento e terrore e rombo d'armi.Foi um choque e barulho de terror de armas.
Il regno vinto! Il regno vinto!O Reino foi vencido! O Reino foi vencido!
E Lou-Ling, la mia ava, trascinataE Lou-Ling, minha antepassada foi arrastada
da un uomo come te, come tepor um homem como você, como você
straniero, là nella notte atroceestrangeiro, na noite terrível
dove si spense la sua fresca voce!onde se extinguiu sua fresca voz!
La FollaMultidão
Da secoli ella dormePor séculos ela dorme
nella sua tomba enorme.em seu túmulo enorme.
TurandotTurandot
O Principi, che a lunghe carovaneÓ príncipes, que trazem caravanas
d'ogni parte del mondode todo o mundo
qui venite a gettar la vostra sorte,que aqui vem a jogar a vossa sorte,
io vendico su voi, su voieu vingo sobre vós, sobre vós,
quella purezza, quel grido e quella morte!aquela pureza, aquele grito e aquela morte!
Quel grido e quella morte!Aquele grito e aquela morte!
Mai nessun m'avrà!Nunca me terás!
Mai nessun, nessun m'avrà!Nunca, nunca me terás!
L'orror di chi l'ucciseO horror de quem matou
vivo nel cuor mi sta.está vivo em meu coração.
No, no! Mai nessun m'avrà!Não, não! Ninguém nunca me terá!
Ah, rinasce in me l'orgoglioAh, renasce em mim o orgulho
di tanta purità!de tanta pureza!
Straniero! Non tentar la fortuna!Estrangeiro! Não tente a sua sorte!
Gli enigmi sono tre, la morte una!Os enigmas são três, a morte uma!


Um comentário:

  1. meus parabéns! Seu blog é maravilhoso e você é espontâneo para colocar suas observações, enriquecendo-o por demais. Passarei a segui-lo, o que será um prazer para mim.

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