domingo, 31 de outubro de 2010

● Der Ring des Nibelungen [1]: Das Rheingold (1976)

O ANEL DOS NIBELUNGOS [1]:
O OURO DO RENO


"O ANEL DO NIBELUNGO é considerado uma obra de arte completa, pois envolve a literatura, a mitologia, a música, o canto, o teatro e as artes cênicas. É considerada uma obra muito abrangente, pois mostra desde o início do mundo, a natureza pura, intocada e em harmonia, até o apocalipse. Fala da psique humana, do consciente e do inconsciente e de quando o homem, ao se tornar consciente, rompeu com essa harmonia, tentando impor suas regras em benefício próprio. Descreve a trajetória do homem, seus erros, sua ambição desmedida que o leva a um processo de auto destruição. A tetralogia é baseada na mitologia, objetivando a catarse, como no teatro grego: a identificação do ser humano com os personagens e com a história, resultando no auto conhecimento.

A obra nos dá a oportunidade de refletir sobre os valores mais importantes e profundos de nossa existência e de vislumbrar um mundo transformado para as próximas gerações. Essa transformação deverá priorizar a valorização dos sentimentos, das relações humanas, da preservação da natureza, da integridade de caráter e de amor ao próximo. É impossível acreditarmos que a maneira como conduzimos nossas vidas e as leis de sobrevivência que regem o nosso mundo hoje, baseadas no uso abusivo da natureza, na leviandade moral e ética e na falta de solidariedade humana, possam perpetuar a nossa espécie."

Lúcia Schiffer, autora do livro Guia Prático do Ouvinte.


Primeira parte (em ato único) da Tetralogia do Anel da ópera de Richard Wagner.


Cena um:

Nas águas do rio do Reno, três ninfas (também conhecidas como Sereias de Água Doce, ou sereias sem cauda) são as guardiãs do ouro local.

As irmãs, Woglinde, Wellgunde e Floßhilde, brincam ao redor do ouro sem perceberem que estão sendo espionadas pelo gnomo Alberich. Desejando-as, ele resolve aparecer no local para divertir-se junto a elas.

No meio de discussões e brincadeiras, Woglinde e Wellgunde, as mais ingênuas das três, acabam revelando ao ambicioso e frustrado gnomo a lenda do Ouro do Reno, que, ao forjar um anel com o ouro que guardam no rio, o mundo ao seu possuidor pertencerá, mas para isso dever-se-á renunciar ao amor: "Lugt, Schwestern! Die Weckerin lacht in den Grund." – "Olhai, irmãs! Quem vem despertá-lo, a sorrir, no fundo do rio".

Enfurecido por ter seu ego maltratado pelas belas irmãs, num ato de violência e euforia, Alberich lança-se no rio, apanha uma quantidade de ouro e amaldiçoa o amor: “entreiße dem Riff das Gold, aschmiede den rächender Ring; denn hör es die Flut: so verfluch ich die Liebe” - "arrancando o Ouro da Rocha, forjarei o anel vingador; pois que ouçam as águas isto: Assim eu amaliçôo o amor".


Cena dois:

No alto das montanhas dali, encontram-se os deuses:

Wotan, rei dos deuses; Fricka, deusa do matrimônio e esposa de Wotan; Freia, deusa da juventude e irmã de Fricka; Donner e Froh, deuses do trovão e do sol e ambos irmãos de Wotan.

O começo da cena é sobre a discussão do pagamento de um castelo construído para os deuses feito pelos gigantes Fasolt e Fafner, que queriam como pagamento a deusa da Juventude. Após descobrirem que Wotan não estaria disposto a cumprir o trato e ceder a mão da bela, eles começam a entrar questionar sobre a integridade moral de Wotan, que, além do rei dos deuses, também tem o poder de legislação local para cumprir fidelidade e honra a todos os contratos, tratados e acordos para que possam ser feitos com segurança entre os povos, mediados por sua lança. Essa crítica de Wagner fica ainda mais forte quando um dos gigantes indaga de que um reles imbecil gigante é capaz de ter de dar uma lição de moral dessas a um nobre deus, que supostamente deveria ser poupado disso.

Genial!

Apesar de serem taxados de ignóbeis, o interesse dos gigantes em construir o castelo era ter a posse de Freia, a deusa da juventude, que cultiva as maçãs douradas que servem para dar eterna juventude aos deuses e, sem elas, todos enfraqueceriam rapidamente e morreriam. E isso deixaria livre o caminho dos gigantes dos julgos de Wotan.

Entra em cena o fiel companheiro de Wotan, o trapaceiro Loge, que já é conhecido por todos os cantos dos reinos por suas malícias e sabedorias. Ele já havia convencido a Wotan de contruir o castelo e jurar aos gigantes a forma de pagamento que eles queriam e, na hora da cobrança, ele daria um jeito dos gigantes mudarem de idéia. E a solução deu certo, após a história do poder do ouro do Reno ser contada. Isso interessou mais ainda os gigantes, que quando possuíssem o ouro, voltaria força para atacar os deuses. Ou seja: de qualquer maneira, o final dos deuses estavam na lista, mas agora com o poder do anel, isso ficaria ainda mais divertido.

("Immer ist Undank Loges Lohn!" Monólogo de Loge )


Cena três:

Abaixo aos céus donde os deuses habitam, Alberich, o gnomo possuidor do anel, domina por meios de escravidão os gnomos locais, mandando-os buscar mais ouro do Reno. Alberich obriga Mime, seu irmão, a construir um elmo (chamado de Tarnhelm) com ouros que lhe daria o poder da invisibilidade.

Entram em cena o Wotan e Loge, que determinados a buscar para si o ouro, resolver enfrentar Alberich de frente; mas não usando força bruta, apenas a lábia de Loge. A captura do ouro, do anel e do Tarnhelm não chegou a ser difícil; pouco depois, Alberich percebeu que havia sido enganado pelos visitantes, mas já era tarde. Este já havia sido amarrado e levado para os altos dos deuses.


Cena quatro:

De volta às montanhas, encontramos os todos personagens da cena dois (deuses e gigantes), além do recém-chegado Alberich. Este é ordenado a mandar trazer todo o ouro do Reno pelos gnomos da caverna. Sem se preocupar muito, Alberich os ordena através de um comando do anel que está em seu dedo que traga o ouro, que, após ser liberto, poderá reaver o ouro com um outro comando; mesmo com essa segurança, jurou-se vingar dos gnomos que o encaravam enquanto traziam todo o ouro, inclusive seu irmão Mime. Mas para sua surpresa, Wotan pediu-o o anel. “A vida, mas não o anel”, retrucava Alberich.

E após possuí-lo, Wotan sentira-se diferente, contido numa posse de poder fora do comum. Todo o ouro fora entregue aos gigantes, como prometido, mas a ambição tomou de conta dos gigantes e eles só se satisfariam quando todo o ouro fosse entregue, ou seja, incluindo o anel. Tomado por um sentimento de raiva, Wotan preferia que Freia fosse levada ao invés de ceder todo aquele poder. É quando entra em cena uma figura misteriosa, Erda, deusa da terra, figura misteriosa detentora de toda sabedoria, tida como ‘’mãe universal’’ que aparecerá também em outras partes da tetralogia. Segundo Lucca, o despertar de Erda é o momento em que ela acorda e emerge à superfície, parece uma alusão aos raros momentos em que, altamente inspirada, nossa consciência percebe elementos profundos, que ordinariamente ignoramos, embora sejam inerentes a nosso espírito”. Num lento e sugestivo andamento melódico, Erda dirige-se a Wotan, numa firme e zelosa advertência: “Cede, Wotan, cede! Foge à maldição do anel! Tenebrosa ruina, sem remissão, sua posse te causará.” (Weiche, Wotan, weiche! Flieh des Ringes Flucht! Rettunglos dunklem Verderben weiht dich sein Gewinn.”)

( Erda )

Após ceder, por fim, o anel aos gigantes, Freia é libertada. E logo após o anel ser entregue aos gigantes,temos uma tomada que lembra muito a primeira cena do épico O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei, onde os irmãos brigam pela posse do anel até a morte; na ópera vemos a mesma cena. Fasolt, percebendo que o irmão está armazenando para si uma parcela exagerada, o que resultaria numa partilha desigual, e que ele, Fasolt, ficaria em prejuízo, reclama com Fafner, dizendo que aquilo não está direito. Fafner, arrogante, responde com um argumento absurdo: “És um janota, a quem me foi difícil convencer a aceitar o ouro em lugar da garota. Se ficasses com ela, não a dividirias com ninguém; é justo, portanto, que seja minha a maior parte do tesouro”. Indignado, Fasolt pede aos deuses que atuem como árbitros daquela questão. Wotan dá-lhe as costas, com desprezo, e Loge tem a idéia de sugerir a Fasolt que fique com o anel e deixe o resto todo para Fafner. Fasolt, então, exige o anel, alegando que a jóia corresponde aos olhos de Freia. Fafner, no entanto, não quer ceder o anel, e os dois irmãos passam da discussão à luta corporal; Fasolt toma o anel à força, mas Fafner dá-lhe um golpe mortal com a clava. Fasolt cai por terra, e, enquanto ainda agoniza, Fafner retira-lhe do dedo o anel, e diz, com desprezo: “Agora sonha com a tua Freia; no anel nunca mais porás a mão”. Fasolt morre, e enquanto Fafner conclui o ensacamento do tesouro, ocorre uma forte comoção entre os deuses, após a cena de fraticídio que acabaram e presenciar. Wotan entende, então, a força da maldição de Alberich, que acabara de apresentar seu primeiro efeito.

Por fim, os deuses, juntos, caminham pela ponte que dá acesso ao castelo (Valhalla, assim batizado por Wotan), que fora construído sobre efeitos de roubos, mentiras e trapaças. A ópera é encerrada com o sussurro desesperados das irmãs lá de baixo “Falsch und feig ist, was dort oben sich freut!” (falso e covarde é tudo aquilo que lá em cima se regozija).

Essa gravação é com Donald McIntyre (Wotan), Martin Egel (Donner), Siegfried Jerusalem (Froh), Heinz Zednik (Loge), Hanna Schwarz (Fricka), Carmen Reppel (Freia), Ortrun Wenkel (Erda), Hermann Becht (Alberich), Helmut Pampuch (Mime), Matti Salminem (Fasolt), Fritz Hübner (Fafner), Norma Sharp (Woglinde), Ilse Gramatzki (Wellgunde), Marga Schimm (Floßhilde) .

Regida por Pierre Boulez, realizada em Bayreuth (ALE) em 1976.


Observações:

#1: Os librettos em português, assim como suas sinopses e análises críticas podem ser lidas através do site do Luíz delucca.

#2: A versão em desenho d'O Ouro do Reno pode ser conferida no Youtube clicando aqui. (O áudio das árias estão em inglês, fujindo um pouco da originalidade da peça alemã no intuito de incentivar crianças a entenderem o contexto geral).

domingo, 24 de outubro de 2010

● Tristan und Isolde (2001)



Ópera de três atos de Richard Wagner.

História do século XII, de Tristão e Isolda, que influenciou outras histórias de amor do mundo inteiro, inclusive serviu de base para Romeu e Julieta, de Shakespeare.

A história é adaptada de diversas maneiras, variando conforme a interpretação do diretor (isso vale principalmente para o cinema). A única interpretação operística foi escrita por Richard Wagner. Então a única coisa que pode mudar em apresentações no palco é o cenário e a regência.

Já na versão cinematográfica, a única que tive oportunidade de ver, optou por uma interpretação que fugisse à lenda.

Vamos às diferenças: a parte específica que torna crucialmente diferente a interpretação da obra é o momento em que Isolda deverá conhecer seu futuro marido, Marco, mesmo já estando apaixonada por Tristão. Uns preferem interpretar que, antes a esta cena, Isolda teria dado veneno a Tristão e, juntos beberiam até cair mortos. Mas por um mero engano, ambos tomaram uma porção do amor em que ficaram mais apaixonados ainda e, ao invés de morrerem, preferiram aceitar o destino infeliz, sendo que em curtos intervalos de tempo, encontrar-se-iam escondidos para terem relações; outros interpretam trazendo a história num contexto mais real: nada de porções do amor. O sentimento que um tem para com o outro é meramente verdadeiro. E isto é o que difere a ópera do cinema; a ópera ta limitada à versão de Wagner, que pra mim, é a mais verdadeira, já que Tristão e Isolda não passam de uma lenda de amor.

Não que a versão do cinema não seja interessante, porque a é. Há também uma versão nacional muito interessante de Tristão e Isolda, contada em segundo plano, visto que a história principal passa-se de personagens que se apaixonam durante a montagem de uma peça de teatro. O nome desse filme é Romance, com Wagner Moura e Letícia Sabatella.

Essa ópera que assisti tem tendências modernistas com traços expressionistas. E isso particularmente foi o que me deu ânimo pra ver, em especial, essa versão de 2001 com Ben Heppner no elenco. Entre ver uma ópera com dezenas de efeitos e até cavalos de verdade em palco, prefiro ver esse jogo de cores no cenário; o detalhe dos bonecos no chão do terceiro ato também foi simples, mas genial. É como assistir a um clássico do cinema Expressionista contando uma história de amor lendária cantada por grandes nomes e regida pelo mestre Levine. Geralmente as óperas que vejo, em sua grande maioria, são regidas por ele.

(Rei Marco descobre que está sendo traído por Tristão - "Rette dich, Tristan!" e "Tatest du's wirklich? Wähnst du das?")


E para quem morre de suspiros com a história superestimada de Romeu e Julieta, antes de mais nada, veja a história de Tristão e Isolda; assista ao filme e veja o contexto histórico; assista à ópera e sinta o contexto psicológico (quatro horas de duração em torno de árias belíssimas), em especial o segundo ato e a última cena do terceiro (Liebestod).

(Liebestod por Eaglen em outra gravação)


Essa versão operística da obra é com Ben Heppner (Tristan), Jane Eaglen (Isolde), Katarina Dalayman (Brangäne), Brian Davis (Melot) e René Pape (King Marke). Regida por James Levine, realizada no MET (NY), em 2001.

A versão cinematográfica é com James Franco (Tristan), Sophia Myles (Isolde), Rufus Sewell (King Marke). Dirigido por Kevin Reynolds e escrito por Dean Georgaris, em 2006. Vide IMDB.