sábado, 26 de junho de 2010
● Teatro do Absurdo I
sexta-feira, 18 de junho de 2010
● Adeus, Saramago.
Ouso a iniciar esta pauta não dizendo que o mundo perdeu um grande escritor contemporâneo, mas um dos maiores escritores que já existiu: José Saramago.
Meu primeiro contato com Saramago foi através de O Evangelho Segundo Jesus Cristo, em 2005; confesso que levei um tempo para me adaptar à forma como a narrativa era construída –e mais tarde pude observar que isto estaria presente em todas as suas obras– parágrafos longos, diálogos separados por vírgulas, mudança de tempo feito de uma frase para outra –havia momentos em que a história estava sendo contada e, no segundo seguinte, o narrador estava nos dando nota ou do que acabara de acontecer ou do que viria a seguir- e isso prova que Saramago não tratava seu trabalho apenas como uma história a ser narrada, mas sim dialogada da forma mais pessoal possível com o leitor.
No mesmo período, li O Homem Duplicado, onde o personagem principal era marcante desde seu nome à sua existência; tinha crises consigo mesmo, encarava o problema de sua existência, sua solidão, ansiedades. Com o decorrer das páginas a história ganhou um tom surrealista a ponto de que o protagonista agora era o sentimentalismo, a busca do eu, da identidade.
Mas foi no final deste mesmo ano que li a obra em que definitivamente me tornaria fã deste homem: Ensaio Sobre a Cegueira. Constituir uma narrativa com diversos personagens sem nome que adquiriam uma cegueira inexplicável, não só prova a capacidade que ele tinha de trabalhar com as palavras e estruturas textuais, mas também que a obra pouco se importava da onde vinha e para onde ia a causa da epidemia, já que o seu maior objetivo era provar que o ser humano estava bastante despreparado para lidar com uma situação em que ele deveria ser apenas... humano! Posso dizer que foi um dos livros mais críticos que li até hoje, já que as feridas não só da sociedade, mas do governo e da igreja foram feridas.
Procurou trabalhar as origens de Portugal por diversas vezes, seja em A História do Cerco de Lisboa, como em Memorial do Convento, livro que lhe rendeu o Prêmio Nobel de Literatura (destaque importante para o personagem do Padre inventor que tinha idéias bastante a frente de seu tempo e era constantemente criticado pela Igreja). A Jangada de Pedra, onde usou de elementos metafóricos em personagens para fazer com que eles unissem Portugal e Espanha (aqui ele meteu o verbo de maneira mais sutil).
Escreveu sobre a morte, humanizando-a, em As Intermitências da Morte, buscou trabalhar o lado sofrido da velhice em A Caverna (título baseado na obra de Platão), buscou tema por diversas vezes verídico para registrar fatos marcantes como em Todos os Nomes ou em Levantado do Chão, usou de objetos e abstrações para analisar o comportamento humano como em Objecto Quase (quem ler esse livro nunca se esquecerá da Cadeira ou do Embargo), escreveu "peças teatrais em cima de peças teatrais" em Don Giovanni ou o Absoluto Dissolvido (da ópera de Mozart), falou de grandes histórias em pequenos contos infantis -O Conto da Ilha Desconhecida- e, por diversas vezes a tão polêmica religiosidade, que, apesar de ser um ateu, sua maturidade religiosa intelectual foi ao ápice em sua última obra, Caim, onde bastou um personagem principal para fazer uma viagem dos tempos de Adão e Eva à Arca de Noé e questionar momentos bíblicos em que nem Deus soube justificar seus atos de ira (ficará inesquecível a reflexão que Saramago me proporcionou sobre o massacre em Sodoma e Gomorra: “e porque nem as crianças foram poupadas?”).
“Tenho um pensamento que não me larga, Que pensamento, perguntou abraão, Penso que havia inocentes em sodoma e nas outras cidades que foram queimadas, Se os houvesse, o senhor teria cumprido a promessa que me fez de lhes poupar a vida, As crianças, disse caim, aquelas crianças estavam inocentes, Meu deus, murmurou abraão e a sua voz foi como um gemido, Sim, será o teu deus, mas não foi o delas.” do livro Caim.
José Saramago foi um dos poucos escritores que atingiu o universalismo; soube tratar de diversos temas e nos proporcionar sempre um momento de reflexão da nossa existência à nossa fé. Infelizmente hoje será um dos dias em que o mundo perdeu um grande homem, mas nunca perderá sua vasta obra, que entrou para a história portuguesa e se expandiu para o mundo todo.
E para encerrar, como um grande admirador de José Saramago, torço para que agora, depois de anos e anos se justificando “sou ateu porque todos os dias busco uma prova de que Deus exista, mas não a encontro”, finalmente possa descansar em paz, pois apesar de intelectual, não precisa ser fã para observar que seu vazio vinha da alma; grande homem que ao mesmo tempo que se encontrava nas suas reflexões humanas, perdeu-se na sua própria fé.